sábado, 4 de dezembro de 2021

O Quinteto Fantástico.

 O QUINTETO FANTÁSTICO

Mais poderoso do que os super-heróis da Marvel Comics!


"Não ao prazer, não à glória, não ao poder:
a liberdade, unicamente a liberdade."
Fernando Pessoa - Livro dos Desassossegos.

Não é novidade repetir o bordão de que os dados hoje são como o petróleo para a indústria da World Wide Web. O Google, a Amazon, o Facebook, a Apple e a Microsoft, grupo também conhecido coletivamente pela sigla GAFAN, são os cinco gigantes da tecnologia, contendo uma base de  usuários superior a quatro bilhões e um valor de mercado de mais de quatro trilhões de dólares americanos (Clement - in Statics.com - 2021).

Desde que a internet tomou impulso junto com a crescente evolução de empresas que passaram a operar nesse campo, uma infinidade de transações circula nas redes; desde uma simples mensagem, até textos inteiros, com um elevado volume de gigabytes de conteúdo incluindo fotos, gráficos etc.

Esse fluxo de "ouro em bytes" que circulam, na velocidade da luz, pelos mais diversos servidores espalhados por todo o planeta; tal qual o petróleo que existe nas camadas do globo terrestre, estavam escondidos e era pouco explorado.

Fazendo uma comparação com a prospecção do petróleo que ocorreu quando Edwin L. Drake,, perfurou o primeiro poço na  Pensilvânia, em agosto de 1859, evento que promoveu o nascimento da indústria do petróleo americana, também nos Estados Unidos, mais precisamente no Vale do Silício, Sergey Brin e Lare Page, ambos da Universidade de Stanford, na Califórnia, criaram o Google e seu primitivo algoritmo de busca.


Figura 2 - Prospecção de Petróleo e Prospecção de Dados
Montagem do  autor (imagens - Google Imagens)

O projeto original dessa dupla era analisar o volume de buscas efetuadas pelos usuários e examinar a qualidade das páginas visitadas e a frequência com que os usuários frequentavam essas páginas.

É clara a correspondência biunívoca entre cada página da internet e o seu link e, daí, foi um salto quântico para que Sergey e Lare percebessem que essas informações eram muito valiosas, tal qual o "ouro negro" da prospecção de Drake em 1859 !

Esse insight abriu um leque de oportunidades para ganhos pecuniários com essas pesquisas realizadas pelos usuários nas redes de internet.

Como toda tecnologia que surge, é rapidamente absorvida e copiada, quer seja pelo processo de "engenharia reversa" ou outras formas menos éticas, elas passaram a ter novos refinamentos e adequações, objetivando otimizar sistemas e processos. 

Assim, tal qual o Google, nasceram as denominadas Big Techs com seus sorvedouros vorazes em buscar, classificar e armazenar dados das transações e trocas realizadas pelos usuários nas redes da web. 

Esse volume de dados transacionado é elevadíssimo ! Por exemplo, de acordo com a Vdo.documents (2020), o volume de dados gerados nas redes, no período de 2006 à 2010, cresceu seis vezes, passando de 166 exabytes (2006) - um exabyte corresponde uma capacidade de armazenamento suficiente para guardar todo o acervo da biblioteca do Congresso Americano, 3.000 vezes! - para 988 exabytes (2010) e, praticamente, tal qual a lei de Moore (assim denominada devido ao engenheiro Gordon Moore ter determinado uma tendência de crescimento de transistores em microchips e processadores), duplica a cada dois anos!


Figura 3 - Evolução do volume de dados gerados na internet
Fonte: vdo.documents (2020) - arte do autor.

O grande salto foi perceber que esse assombroso volume de dados poderiam ser capturados, tratados e armazenados e deles retirado informações super relevantes.

Sub-repticiamente, as empresas de tecnologias ligadas às redes, passaram a coletar esses dados, classificá-los e armazená-los e, é claro, monetizando o seu conteúdo para empresas ou parceiros interessados.

Para atrair mais e mais usuários para as redes, tal como os artifícios utilizados na captura de peixes que nadam nos oceanos, essas empresas hoje, conhecidas por Big Techs, passaram a oferecer "facilidades" mediante oferta "gratuita" de aplicativos de mensagens, jogos eletrônicos nos celulares, comunicação rápida, compartilhamento de arquivos etc.

É claro que o velho bordão está sempre presente: "Não há almoço!" e, como tenho afirmado repetidamente, fazendo um paralelo com os oceanos e suas biodiversidades: o oceano de dados disponibilizados pelos usuários das redes e nos aplicativos que possuem, equiparam-se aos peixes que circulam nos oceanos e estão disponíveis para serem pescados. Daí ter criado o bordão: "caiu na rede (internet), vira peixe e é fácil de ser pescado !"

Do mesmo modo que as tecnologias envolvendo o campo da internet e seus suportes operacionais evoluíram, a inteligência artificial, antes relegada à segundo plano, floresceu de maneira exponencial, graças ao "adubo" gratuito que seus algoritmos de machine learning passaram a consumir. Parafraseando Goethe que, no leito da morte, pronunciava incessantemente: "Lich, mehr Licht" (Luz, mais luz!), podemos dizer que a inteligência artificial reverberava: "dados, mais dados"; para o seu crescimento e performance.

Uma verdadeira explosão criativa surgiu então da união entre o volume de dados coletados e armazenados (Big Data) e os cientistas de dados que passaram a tratar e analisar esse volume de dados de forma sistemática, com objetivo de fornecer subsídios aos algoritmos de inteligência artificial, cada vez mais sofisticados e robustos na busca de resultados analíticos!

Modelos preditivos sofisticados mediante busca nos Big Datas criados pelas Big Techs, perfis de usuários cirurgicamente construídos com propósitos específicos, foram elaborados com objetivos, em algumas situações, pouco claras, e destinados à processos de "manipulação" mediante oferta personalizada de conteúdos a ser consumidos pelos usuários.

Um exemplo bem emblemático foi o famoso escândalo da Cambridge Analytica, na votação do Brexit (processo de desligamento do Reino Unido da União Europeia), como foi exaustivamente retratado por Bridney Kaiser em seu livro "Manipulados" !

Assim como Dorian Gray, da magistral obra de Oscar Wilde, que vendeu sua alma para o diabo, com o objetivo de permanecer eternamente jovem, estamos fazendo um pacto velado com as Big Techs, trocando as facilidades sedutoras dos aplicativos oferecidos por elas, pela nossa intimidade ! Como escreveu Wilde no seu romance: O Retrato de Dorian Gray: "a única maneira de se livrar de uma tentação, é ceder a ela" . E lá vamos nós seduzidos pelos "cantos das sereias" das Big Techs.

Hoje, o poder dessas empresas virou uma preocupação e um debate internacional. A dominância que exerce com seus algoritmos baseados  em sofisticadas  analises, acendeu uma luz vermelha de alerta, dado que esse quinteto maquiavélico pode produzir uma versão perigosa de um regime totalitarista,  fazendo vigilância mediante a captura das nossas atitudes comportamentais nas redes sociais, nas ruas, nos estabelecimentos comerciais etc. ! 

Basta fazer uma reflexão sobre o  volume de câmeras espalhadas por todos os lugares, bem ao estilo do Big Brother de George Orwell em sua fantástica obra "1984" tão presente hoje.

O exemplo incontestável é ligado à China com as suas 170 milhões de câmeras e projeto de instalação de mais 400 milhões de novas unidades. Como verbalizou o poeta Ji Feng, crítico voraz do governo de Xi Xinping : " A tecnologia é uma ferramenta para o ser humano, assim como uma arma. Se ela estiver em mãos erradas, pode fazer coisas ruins".

Zuboff (2021), autora que cunhou a expressão "capitalismo de vigilância", para designar essa nova forma utilizar a experiência humana como matéria-prima gratuita, nos alerta que: " a dinâmica competitiva desses novos mercados leva os capitalistas de vigilância a adquirir fontes cada vez mais preditivas de superávit comportamental: nossas vozes, personalidades e emoções" .

Luz, câmeras, ação ! Nossa intimidade está exposta!
NOTA: Este artigo foi escrito hoje,
para homenagear o meu filho 
Paulo Eduardo, aniversariante do dia!  
Fonte:
Agrawal,A., Gnas, J. e Godfard, A. in Maquinas Preditivas - Alfa Books (2019)
Debord, G - in A Sociedade do espetáculo - Contraponto (2013)
Desmurget, M. in A fábrica de cretinos digitais - Vertígo (2021).
Foucault, M. - in A Sociedade Punitiva - Martins Fonte (2020).
Kaiser, B. - in Manipulados - Haper Collis (2020).
O'Niel, C. in Algortimos de Destruição em Massa - Rua do Sabão (2020).
Russel, S. in Inteligência Artificial a nossa faor - Cia das Letras (2021).
Vdo.documents - in The Digital Universe - disponível em https://vdodocuments.net - acesso : 04/12/2021.
Webb, A. in Os nove Titãs da AI - Alta Books (2021).
Zuboff, S. in A Era do Capitalismo de Vigilância - Intrínseca (2021).






Nenhum comentário:

Postar um comentário