domingo, 27 de março de 2022

Embargos, Geopolítica e Cadeias de Suprimentos

 

EMBARGOS, GEOPOLITICA

e CADEIAS DE SUPRIMENTOS




No verão de 1989, a revista americana National Interest publicou  um ensaio teórico  do cientista político norte americano, Francis Fukuyama, que preconizava uma mudança dos ideais europeus, tendo como fulcro, uma possível invasão da Ucrânia perpetrada pela Rússia. Posteriormente esse ensaio acabou transformando-se em um livro “O Fim da História”, cuja tradução foi publicada no Brasil em 2015 pela Editora Rocco.

A invasão aconteceu e isso está mudando todo o cenário geopolítico internacional, assim como o redirecionamento das Cadeias Globais de Suprimentos!

Para o leitor menos familiarizado com o tema, sugerimos assistir a um vídeo disponível no Youtube denominado “A História de um Lápis”, narrada pelo Nobel em Economia Milton Friedman, cujo link disponibilizamos aqui: https://www.youtube.com/watch?v=skx8a90xI78.

É fato que as Cadeias de Suprimentos, especialmente em um mundo globalizado como o nosso, podem envolver uma vasta e intensa rede de recursos (materiais e financeiros), informação e pessoal, deste as suas respectivas origens até o destino, normalmente resultando, ao final, na disponibilidade de bens de consumo para os consumidores.

O evento da pandemia permitiu, em grande medida, avaliar a desordem mundial em termos de suprimentos de bens e serviços, em face das diversas paralizações das operações logísticas, cujo resultado foi, entre outros, a formação de um “vírus inflacionário” que se espalhou por todo o planeta.

As lições da pandemia, que agora arrefeceu, resultaram alterações nas cadeias de suprimentos, através de reestruturações estratégicas, assim como a busca de novas fontes alternativas para suprir os mais diversos insumos e produto.

Em muitos casos, esse redirecionamento estratégico das cadeias de suprimentos, acabou promovendo a repatriação de diversas Manufaturas para seus países de origem, muitas delas instaladas na China.

Diante do teatro das operações globais atuais, as pressões criadas sobre a Rússia, através de diversos embargos, resultarão em uma drástica remodelação das Cadeias de Suprimentos Globais; sendo importante ressaltar que essa remodelação não acontecerá em um curto espaço de tempo, para um vasto portifólio de insumos e produtos.

Tomemos, por exemplo, o caso mais visível pela mídia que é a dependência europeia do gás natural produzido pelos russos!  Basta lembrar que 40% do gás consumido pela Europa é originário da Rússia, que possui 16% das reservas mundiais (Gazprom – Annual Report 2020); valendo registrar que a Alemanha é suprida de gás russo, numa faixa que oscila entre 50% e 65% de seu consumo interno!

Embora os Estados Unidos tenham acenado para suprir a Alemanha, é bom lembrar que esse suprimento, além de a oferta inicial representar tão somente 10% do consumo interno dos germânicos, custará bem mais caro; afinal será transportado por navios. Além do necessário fluxo no transporte do gás, há possibilidades maiores de ocorrência de riscos durante o trajeto marítimo.

O resultado desse redirecionamento no suprimento de gás implicará em um razoável espaço de tempo para dar uma “guinada” geral, com o objetivo de levar a Alemanha deixar de depender do gás russo.

Outro exemplo: a produção de semicondutores depende do paládio (um metal branco parecido com a platina). Os Estados Unidos importam da Rússia cerca de 33% das suas necessidades. Embora as empresas produtoras de semicondutores possam ter estoques estratégicos desse produto e ser necessário a procura de fontes alternativas de suprimentos, é inevitável a ocorrência de eventuais paralizações na produção de algumas plantas! Valendo registrar que o mercado mundial de semicondutores ainda não se estabilizou em decorrência da pandemia.

Outro ponto crítico, que comentamos em postagem anterior, foi a retirada da Rússia do sistema internacional de compensações financeiras, o que levou a reestruturação de novos modelos de negócios, incluindo transações em moeda russa, assim com em moeda chinesa (Yuan); o que leva, gradativamente a possível um descolamento do dólar como moeda internacional, com futuras consequências!

O fato é que, os recentes acontecimentos globais colocaram as Cadeias de Suprimentos em alerta, provocando a necessidade imediata de estudos estratégicos para o desenvolvimento de novas alternativas de suprimentos, além da possibilidade de incrementar internamente, na medida do possível, a produção doméstica, como deverá acontecer com o potássio, tão essencial para o agronegócio brasileiro. 


domingo, 13 de março de 2022

Cadeias de Suprimentos e Escassez. Invasão da Ucrânia e Inflação Mundial.

CADEIAS DE SUPRIMENTOS e ESCASSEZ.
INVASÃO DA UCRÂNIA e INFLAÇÃO MUNDIAL.


Já comentamos nesse espaço sobre os primeiros reflexos oriundos do conflito entre a Rússia e a Ucrânia que se estende por mais de 15 dias!

E estarrecedor ter a percepção aguçada de como, no meio do conflito, quem mais sofre são os civis, suas famílias, filhos e netos! Esse é um custo elevadíssimo dado que a vida não tem preço!

Neste artigo vamos abordar o tema das cadeias de suprimentos em uma amplitude muito maior, considerando em especial que as cadeias de valor se tornaram globais e, por via de consequência, as decisões e operações respectivas sofrem um impacto direto de qualquer tensão geopolítica existente nesse caldeirão de conflitos em que vivemos nos dias de hoje!

A globalização dos mercados, se de um lado abriu um leque de oportunidades para a comercialização e o suprimento de bens e serviços que se estenderam ao redor de todo o planeta, mediante uma logística eficiente; de outro lado, insere uma variável na equação de incerteza quanto a continuidade dos suprimentos de bens (ver artigo sobre riscos logísticos), principalmente diante de choque dos mais diversos como: pandemias, conflitos internacionais, mudanças climáticas etc.

O certo é que as cadeias logísticas ampliaram seus escopos, porém como resultado adicional, aumentaram os riscos de desabastecimentos!

Tomemos o caso dos fertilizantes, tão importantes para o agronegócio brasileiro. Ora, o Brasil é o maior importador do mundo, representando uma importação de fertilizantes que atinge 80% de suas necessidades; uma fragilidade elevada (riscos logísticos!).

Diante do conflito formado, a Rússia, através do Ministério do Comércio e Indústria da Rússia, recomendou aos produtores de fertilizantes do país que suspendam temporariamente as exportações! Mesmo com a notícia de que o Brasil estaria fora dessa suspensão, há um problema adicional, qual seja, como pagar essas importações se o sistema internacional de compensação financeiras (Swift) foi suspenso para as operações realizadas pela Rússia.

Analista da Yara Internacional, empresa norueguesa cuja área de negócios é a produção de fertilizantes, destaca que: “se não forem adicionados os fertilizantes no plantio agora, as colheitas poderão ser reduzidas em até 50% na próxima safra”!  (op.cit. Mooney -Logistic Manager – Mar/2022).

Outro exemplo claro é o petróleo, motor de grande parte da economia mundial, cujos preços no mercado internacional chegaram a atingir US$ 140 o barril (42 galões americanos ou 158,987 litros de óleo cru).

O resultado todos sabemos: recente aumento dos combustíveis fornecidos pela Petrobras, como por exemplo: aumento de 18,7% da gasolina e de 24,9% do diesel. É evidente que esses aumentos produzem reflexos imediatos nos custos de transporte e, por via de consequência, nos preços finais dos produtos.

Uma nova escalda inflacionária a nível mundial é reforçada, após o primeiro vetor de elevação nos preços, entre outros fatores, devido as rupturas das cadeias de suprimentos provocadas pela pandemia.

Os reflexos serão enormes! Por exemplo, estudos realizados pela ONU através da FAO (Organização para Agricultura e Alimentação) indicam que há perspectivas de que os alimentos sofram aumentos de 20%, em especial nas exportações de trigo, onde as várias nações dependem da Rússia e da Ucrânia, de onde são exportados cerca de 30% dos suprimentos de trigo. Basta citar, por exemplo, que no Egito, 105 milhões de pessoas tem em suas dietas básicas o trigo e o óleo de girassol que são fornecidos, 85% trigo e 73% girassol respectivamente, da Rússia e da Ucrânia!

Como relata John Maudin: “... uma recessão se aproxima. ... será uma recessão global. É uma recessão de escolha – não sua ou minha, mas de Vladimir Putin”. Complementa relatando que erros de cálculos de Putin para as operações militares e a reação imediata do Ocidente, farão com que a guerra perdure, piorando as coisas e “quanto mais durar, pior vai ficar” (op.cit – Another Strange Recession – Mar/11/22).

O certo é que essa guerra está custando muito além dos gastos bélicos da Rússia e demais países com o fornecimento de armas e munições para o campo de batalha!

Cada lar será atingido por um míssil inflacionário que vai produzir estrago elevados, reduzindo a disponibilidade alimentos, aumentando a fome, resultando em um aumento considerável da pobreza!

 


sábado, 5 de março de 2022

Conflitos, terrorismos e pandemias. O quê esses eventos têm com a logística?

CONFLITOS, TERRORISMO E PANDEMIAS.

O quê esses eventos têm com a logística? 


Indiscutivelmente o mundo está globalizado e o suprimentos de bens poderá ter origem em qualquer região do planeta, respeitadas as condições de capacidade de atendimento à demanda exigida e custos logísticos atraentes.

Nesse sentido, podemos tomar como exemplo a China que, abrindo as portas para o mercado internacional, tratou de aprimorar a sua infraestrutura, em especial no quesito portos e ferrovias.

A análise que encetaremos nesse artigo está baseada no capítulo 11 da nossa obra: Logística e Cadeia de Suprimentos – O Essencial, publicado pela editora Manole.

É certo que o mundo hoje é um caldeirão de conflitos dos mais diversos os quais, de uma forma ou de outra, impactam os fluxos de bens e serviços.

O objetivo da logística, na sua acepção maior, é vencer as condições espaciais (geográficas), temporais (atender no tempo certo) e, mediante custos mínimos, levar os produtos desde a sua origem até um destino determinado.

Claro que essa operação não se realiza em um “céu de brigadeiro” e nem tampouco em um “mar de almirante”!

Intercorrências das mais diversas, desafiam as operações logísticas nas batalhas diárias para vencer obstáculos tanto físicos, tecnológicos, informacionais e burocráticos.

Excetuando-se esse último que pode ser tratado em termos negociais, examinaremos aqui, embora de forma sucinta, como poderemos criar planos estratégicos destinados a reduzir o impacto de eventos inesperados que resultam na sua classificação como riscos logísticos.

Vale registrar, em primeiro plano, que os riscos logísticos podem ter diversas origens como por exemplo: guerras, sabotagem, falhas na infraestrutura, desastres naturais, desastres tecnológicos etc.

Evidentemente que esses riscos podem possuir diversas dosimetrias, quais sejam: desprezíveis, marginais, críticos ou catastróficos. A avaliação de cada situação vai depender do contexto operacional da cadeia de suprimentos e suas relações entre os parceiros de negócios, modais de transporte etc.

A tarefa primordial dos gerentes de logísticas é o mapeamento de toda a cadeia de suprimentos, identificando os pontos de vulnerabilidade para, posteriormente, promover uma análise detalhadas daqueles de maior ou menor incidência de riscos.

Perguntas chaves como: O que aconteceria se a cadeia de suprimentos fosse interrompida por um evento inesperado? Quais seriam os custos envolvidos na recuperação da cadeia de suprimentos? Se uma carga importante fosse danificada, destruída ou contaminada, quais serão os efeitos na continuidade das operações na manufatura, nos serviços e no atendimento aos clientes? Etc.

Como o espaço dessa publicação é bastante limitado, não vamos aqui qualificar e analisar cada um desses tipos de eventos, suas magnitudes e seus efeitos nas cadeias de suprimentos, objeto do capítulo citado da nossa obra. Assim, vamos tratar de duas vertentes básicas que conduzem ao gerenciamento dos riscos logísticos.

De um lado, temos a denominada Estratégia de Mitigação, cujo foco é reduzir o impacto do dando causado à cadeia de suprimentos. Um exemplo prático para imediato entendimento é o uso dos freios de um veículo por ocasião da possibilidade de um acidente, cujo objetivo é minimizar a ocorrência de um dano. Por exemplo, uso de estoques de segurança mais robustos.

Por outro lado, a Estratégia de Contingenciamento funciona como um plano “B”. Tem por objetivo manter as operações em funcionamento apesar do dano já causado. Um exemplo seria utilizar um sistema de geradores na hipótese de ocorrer uma falha no suprimento de energia.

Termino esse breve artigo citando uma frase do legendário Tzu (Arte da Guerra): "Concentre-se nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças."

 


 


Bloqueio logístico imposto à Rússia.

 BLOQUEIO LOGÍSTICO IMPOSTO À RÚSSIA.

Um pequeno relato do caos que está se formando!

A invasão da Ucrânia perpetrada pela Rússia acabou provocando uma decisão da União Europeia que resultou na sua retirada do sistema Swift de transações internacionais. Esse sistema viabiliza o pagamento e a transferência de recursos entre empresas de diferentes países. É claro que essa proibição é uma via de mão dupla: tanto a Rússia quanto os demais países sofrerão as consequências!

O escopo desse bloqueio se estendeu em diversas frentes: fechamento do espaço aéreo para aviões russos, o que significa que nenhuma aeronave russa terá possibilidade de realizar pousos em vários países (ver mapa - áreas vermelhas).

Do mesmo modo, a Boeing e a Airbus suspenderam o fornecimento de peças de manutenção para as aeronaves, assim como está requisitando a devolução das aeronaves alugadas por empresas russas.

A Fedex, UPS e DHL suspenderam as entregas de pacotes para a Rússia.

No campo do transporte marítimo a situação também se agrava visto que a Maerks, uma das maiores empresas de transporte, assim como a MSC , suspenderam o fluxo para a Rússia.

Aliado a essa torrente de restrições, por exemplo, petroleiros de propriedade da empresa russa Sovcomflot, cujo destino era o Canadá, estão sendo desviados.

Segundo a gCaptain (03/mar/2022), em face dos bloqueios dos portos, os navios russos estão sendo direcionados para a Ásia e o caos começa a se formar e em todas as direções no que se refere as Cadeias de Suprimentos, diante do teatro de guerra na Ucrânia.

A exemplo da pandemia que provocou elevação dos custos logísticos e promoveu a ascensão de uma inflação a nível mundial, o custo de contratação de navios já atingem a patamares nunca imaginados,  como aconteceu com o aluguel de contêineres durante os lockdowns provocados pela pandemia.

Por exemplo, um navio tanque para entregar um milhão de barris de petróleo russo para a Itália, a partir do porto de Novorossiysk , um dos maiores portos da bacia do Mar Negro, agora está custando US$ 3,5 milhões (op.cit. gCaptain), um ganho de 300% em relação a um afretamento antes da crise na Ucrânia!

E certo de que as consequências desse desastroso evento produzirão efeitos em todas as direções! Em nosso país, basta citar o caso dos adubos e fertilizantes, tão essenciais para a nossa produção agrícola, considerando que 23% deles são importados da Rússia. (ComexStat -02/03/2022).

O que percebemos é que as Cadeias de Suprimentos estão ficando cada vez mais complexas e globalizadas e, por via de consequência, os riscos de ruptura vem aumentando consideravelmente!

Diante desse quadro, restam duas alternativas no campo da análise dos riscos logísticos: as operações de mitigação e as operações de contingenciamento, em especial, diante do quadro atual de tensões geopolíticas em todas as direções!

Mas isso é conversa para outra postagem!