Em maio de 1999 foi lançado um filme dirigido por Lana Wachowsi
e Lilly Wachowsi que causou um grande debate, em várias comunidades.
Tratava-se de um filme futurista no qual um programador (Neo)
vivia atormentado com profundos pesadelos, nos quais encontrava-se imerso em um
sistema computacional (Matrix) que o mantinha conectado através de cabos.
Ao longo do desenrolar dessa magistral obra de ficção, na
qual é travada uma disputa entre humanos
e sofisticadas máquinas, o personagem Neo, acaba descobrindo que era vítima de
um gigantestco sistema digital denominado Matrix.
Do mesmo modo, no filme “O Exterminador do Futuro” é
apresentada uma inteligência artificial altamente desenvolvida, conhecida como
Skynet que opera mediante um sistema de robótica avançada acoplada à
sofisticados sistemas computacionais que lhe permitiam tornar-se autoconsciente
a ponto de ameaçar destruir a raça humana!
Para os interessados recomendo vivamente o livro de Nick
Bostrom -
Superinteligência: Caminhos, perigos, estratégias, no qual esse autor questiona
a possibilidade de se construir uma inteligência artificial que, descontrolada,
possa colocar em riscos a raça humana. Do mesmo modo, questiona a necessidade
se produzir uma inteligência artificial sustentável e controlada que não implique na destruição da nossa espécie !
A ficção vai se descortinando no mundo real, passo a passo,
tal qual uma serpente que rasteja no solo em busca de novas presas!
Os avanços tecnológicos das últimas décadas se processaram em
velocidades estonteantes. Aplicações de novas tecnologias aceleraram
significativamente os processos das empresas, otimizaram a agricultura e
melhoraram de forma expressiva, a qualidade de vida. No contorno desse circuito
de evolução tecnológica, despontaram empresas na área de tecnologia da
informação que cresceram exponencialmente!
Ocorre que, no bojo dessa evolução, descortinou-se elevado
poder de controle, mediante a intensa e contínua coleta de dados de seus
usuários, em especial, em face da abertura do leque de possibilidades no uso da
inteligência artificial (AI), onde ficou claro que os dados coletados são
elementos essenciais para que os mais diversos modelos de AI operassem
eficientemente. Daí serem os dados considerados o novo petróleo no campo da
inteligência artificial e seus algoritmos!
Nesse sentido, da Skynet e do Matrix, obras de ficção,
passamos, no mundo real, a observar que o comportamento das denominadas Big
Techs, empresas de alta tecnologia na área da informação, está seguindo nessa
direção. Basta uma pequena análise das práticas utilizadas: invasão
sub-reptícia da nossa privacidade, censura de conteúdos, interferências nas
mais diversas áreas, manipulação da população mediante sofisticados processos
da psicologia comportamental etc.
O certo é que, os avassaladores avanços das tecnologias, em
especial aquelas aplicadas à comunicação, assim como o direcionamento dos
modelos de inteligência artificial aplicados às redes sociais que permitiram
facilitar a interação em tempo real entre usuários através dos mais diversos
meios de comunicação, acabaram
disponibilizando um arsenal de dados produzidos pelos usuários das redes
sociais, denominados de Big Data.
O volume de dados capturados abastecem a sofisticados
algoritmos de machine learning que, após um certo tempo, passam a conhecer o
usuário de forma tão sofisticada que ultrapassa, em certa medida, o próprio
conhecimento de si mesmo. Há um jargão preciso nesse sentido: “as Big Techs
sabem mais sobre você do que você mesmo!”
Daí, é apenas o movimento pendular que se desenvolve na
interação do usuário que adentra à uma rede social. Os algoritmos simplesmente
o capturam, tal qual a experiência de Skinner (psicólogo comportamental que
revolucionou a psicologia nos anos 50) com seu pombo e mais, num reflexo
pavloviano, esse usuário fica hipinotizado por clicks e mensagens sonoras e
instantâneas que “brotam” em sua tela, da mesma forma que o cão de Pavlov começava
a secretar ácido clorídrico de seu estômago, todas as vezes em que esse
pesquisador acionava um sino!
Esse é, entre tantos outros, um dilema das redes!
Do mesmo modo, a AI permitiu a criação de sofisticados
sistemas de atendimento automático, conhecidos como Chatbot, como o recente
caso divulgado por um engenheiro sênior
da Google - Blake Lemoine – quando descreveu assustado, uma série de conversas
que realizou com um software conhecido como LaMDA (Language Model for Dialogue
Applications), uma Inteligência Artificial desenvolvida na Google que, segundo
Blake, quer ser tratada como uma funcionária normal e consegue desenvolver
conversas envolvendo temas como: ter consciência, alma e emoções; motivo
inclusive de postagem minha, nessa plataforma.
Por um lado, vale registrar que as pesquisas no campo da
psicologia comportamental atingiram hoje, patamares elevadíssimos e todo esse
arsenal de conhecimento vem sendo aplicados pelas Big Techs em seus algoritmos
para capturar ao máximo, a atenção dos usuários das redes sociais. Afinal, como
não há almoço grátis, a inserção direta ou subliminar das mais diversas formas
de propaganda, monetizam essas empresas de alta tecnologia digital.
Por outro lado, encontramos um enorme poder concentrado nas
Big Techs, visto que milhões de usuários disponibilizam diariamente um vasto
volume de dados que são armazenados e servem, além de possibilitar o
direcionamento de propagandas específicas, também promover a manipulação
coletiva. Para citar um exemplo, basta lembrar do famoso escândalo da Cambridge
Analytica diante da votação do Brexit.
A verdade é que, a trás de um “jogo lúdico”, Facebook (agora
Meta), Instagram, WhatsApp etc., há uma miríade de algoritmos de machine
learning prontos para capturar a atenção de seus usuários.
Basta perceber que hoje, o uso exacerbado do celular vem
provocando verdadeiras crises de abstinência, tal qual os opiáceos e demais
drogas ilícitas, sem falar da perda da capacidade de concentração e raciocínio
que acaba produzindo efeitos negativos para os usuários. Há uma fragmentação no
pensamento, visto que as mensagens são rápidas e verdadeiramente explodem a
cada instante na tela, levando, por via de consequência, a mudança constante de
temas, acesso a novos hiperlinks etc.
Nesse sentido recomendo aos leitores interessados, a leitura
das obras: “Manipulados” de Britney Kayser que trata detalhadamente do caso da
Cambridge Analytica e “A Fábrica de idiotas digitais” de Michel Desmurget que
desnuda esse processo pavloviano de captura dos usuários, mostrando quão
prejudicial é esse processo; e abre uma pergunta básica: por que os executivos
de grandes corporações da área de tecnologia da informação do Vale do Silício,
só permitem que seus filhos passem a ser usuários ( por períodos curtos) de
Celulares e Tablets, depois que atingirem a idade entre 8 e 10 anos? Não é preciso um esforço
mental para encontrar a resposta!
Vale ressaltar que a pandemia e seus lockdowns, acabaram por
acelerar o processo de uso continuado das redes sociais, em face do isolamento
que proporcionou durante um bom período. Nessa mesma toada, os algoritmos de
inteligência artificial se tornaram cada vez mais sofisticados e complexos,
tendo como objetivo, mediante análise do perfil de cada usuário das redes,
desenvolver métodos baseados na psicologia comportamental, para manter esse
usuário, o máximo de tempo interagindo na rede, como explicamos acima (Skinner
e Pavlov).
O Metaverso por seu lado, como mostramos em postagem
anterior, na qual apresentamos um pequeno vídeo, acaba criando um mundo à
parte, e ai mora o perigo!
Cada usuário terá possibilidade de criar um personagem, o seu
“eu digital” personalizado de acordo com seu imaginário e “viver” nesse espaço
virtual, podendo praticamente realizar um elenco infindável de atividades.
Óbvio que existe um grande projeto de monetização da
plataforma em desenvolvimento que, em uma visão primária, se assemelha, em
certa medida ao SimCity que era um jogo no qual o usuário construía uma cidade
e a administrava, porém muito mais sofisticada.
Claro que os engenheiros sociais da Meta estão conscientes
disso e preparam algoritmos especialmente elaborados para manter a permanência
do usuário no Metaverso, o maior tempo possível. Nesse processo cada vez mais
dos distanciamos no mundo real e o pior: poderá ocorrer grandes conflitos
internos (“Assim é se lhe parece” – Luigi Pirandello) entre o seu “eu digital” ( uma criação
ilimitada de possibilidades) e o seu “eu real” (pé no chão com todas as
diversidades e desafios do nosso mundo).
Será que essa sedução cativante e psicologicamente bem
elaborada poderá acabar transformando seres humanos em verdadeiros robôs
dependentes do Metaverso?
Será esse um
perigo que se aproxima? Só o tempo dirá!
Nota: Esse artigo também foi publicado no meu Linkeding.