O título desse artigo é, em certa medida,
propositalmente provocativo!
O Iluminismo foi um fantástico movimento
ocorrido no século XVIII, que resultou em grandes mudanças na sociedade e na
forma de vida das pessoas e suas visões perante o mundo que as circundava.
Princípios fundamentais na política, na ciência, na literatura, nas artes e na
filosofia foram erigidos nessa era.
Há controvérsias sobre o tema abordado,
por exemplo, Pinker (2018) retrata que o Iluminismo, embora tenha apresentado
avanços consideráveis em todos os campos do conhecimento humano, mostrou falhas
tectónicas, as desconsiderar em seu bojo, as tradições de culturas não ocidentais.
Apesar de tudo isso, é incontestável que
o Iluminismo catapultou o conhecimento humano nas mais diversas áreas, para
outros patamares muito mais elevados.
Hoje vivemos uma nova era a qual, tomamos
a liberdade de defini-la como a era do “AI-luminismo” , visto que a
Inteligência Artificial (AI), tal qual um vírus que se multiplica velozmente,
se propaga por todos os campos do conhecimento humano.
Seus pioneiros foram pessoas talentosas
como Alan Turing, matemático britânico e responsável por decifra a famosa
maquina Enigma (criptografia alemã), John McCarthy, cientista da computação que
cunhou o termo “Inteligência Artificial”, Marvin Minsky, fundador do MIT_AI Lab
em 1959 e defensor do uso de redes neurais com objetivo de simular o cérebro
humano (Gonçalves – 2018 - Blogger), assim como Arthur Samuel, criador do
primeiro jogo de Xadrez em 1952 que possuía a capacidade de aprender a cada
jogada, bem como Herbert Simons e Allen Newel criadores dos primeiros
algoritmos para a resolução de problemas complexos, como também responsáveis
por criar o primeiro programa capaz de jogar “Damas” em 1959.
Esses pioneiros erigiram a Inteligência
Artificial e permitiram os seus avanços até a nossa era. Parafraseando
Einstein, embora a frase original tenha sido atribuída a Isac Newton: “A
Inteligência Artificial chegou nos atuais estágios, por ter crescido em ombros
de gigantes!”
Apesar de todo esse entusiasmo inicial,
no qual a AI despontava promissora e a injeção de grandes investimentos nas
suas pesquisas, ocorreu uma primeira decepção dado que as expectativas, talvez
impulsionadas pela ficção científica e a tecnologia existente à época, acabou
por estagnar o seu progresso, a tal ponto que tivemos um período que ficou
conhecido como “AI Winter”, o inverno da AI.
Somente na década de 1980, como o advento
de novas tecnologias e novas técnicas matemática, como por exemplo, a lógica
Fuzzy, desenvolvida pelo matemático Lotfi Zadels, também conhecida como lógica
difusa que passou a ser utilizada no controle de processos, análise de dados e
tomada de decisão, por permitir o uso de informações incompletas e ambíguas,
levaram, em certa medida, a modelagem de sistemas complexos. O mesmo
acontecendo, em paralelo, como o desenvolvimento de complexas redes neurais
artificiais.
Esses avanços permitiram abrir um variado
leque para novas aplicações da Inteligência Artificial, elevando as suas
pesquisas e aplicações para as mais diversas áreas como a robótica,
reconhecimento de imagens, processamento de linguagem natural, etc.
Seus avanços se fizeram sentir através
desse construto de pesquisas acumuladas e levaram a sofisticadas técnicas, como
as redes neurais de aprendizado profundo, através de várias camadas de
processamento, o que permitiu avanços significativos na área de visão
computacional, reconhecimento de fala, processamento de linguagem natural.
A sua evolução a partir de 1980 foi
exponencial, proporcionando avanços significativos em diversas áreas das nossas
vidas, como por exemplo, automação de processos, robótica, segurança e privacidade,
comunicação e saúde, educação, assistentes virtuais (Siri da Apple, Alexa da
Amazon e Google Assistent da Google etc), reconhecimento de fala, visão
computacional, diagnósticos médicos, serviços financeiros, comércio eletrônico,
marketing e publicidade etc. etc.
Não demorará muito tempo para que os
recursos, muitos deles em uso no nosso dia a dia, para que eles sejam
incorporados às nossas vidas de forma tão corriqueira como hoje utilizamos a energia elétrica.
Essa fase que consideramos como o novo
AI-luminismo, após o período de hibernação pelo qual a inteligência artificial
passou e, tal qual a revolução cultural, política e social ocorrida no século
XVIII. Hoje a inteligência artificial é protagonista de uma nova revolução!
Entretanto, uma reflexão precisa ser
efetuada, tendo em vista a dupla face em que se reveste a inteligência
artificial, qual seja, o seu uso para criar benefícios e bens estar para a
humanidade ou a sua utilização com fins maliciosos ou totalitários. Nesse
pormenor, basta lembrar da fala de Vladimir Putin para um grupo de estudantes
na Rússia, no ano de 2017: “quem dominar a inteligência artificial, dominará o
mundo!”
Nesse contexto, podemos considerar dois
efeitos “halos” produzidos pelas tecnologias que aceleraram o desenvolvimento e
as aplicações da inteligência artificial:
O “halo positivo”, por ser observados nos
exemplos:
Produtividade – a automação de tarefas
repetitivas e rotineiras estão sendo substituídas pela inteligência artificial,
liberando assim, a mão de obra para a realização de trabalhos mais complexos e
atividades criativas;
Educação – através da personalização da
experiência de aprendizado focado no desenvolvimento de cada aluno, mediante a
oferta de recursos e materiais adaptados às particularidades individuais;
Detecção de Fake News e Deep Fakes – a inteligência
artificial tem potencial para a identificação de notícias falsas, vídeos manipulados,
imagens falsas, assim como através de sistemas de detecção de sentimentos avaliar
o tom das linguagens e postagens inseridas nas redes sociais.
Medicina – através dos algoritmos que
auxiliam na detecção de doenças, assim como no desenvolvimento de novos medicamentos
e oferecimento de tratamentos mais personalizados e mais eficazes por ser dirigido
individualmente para cada paciente;
Segurança – através da detecção e prevenção
de atividades criminosas, ações de terroristas, segurança patrimonial em
edifícios e instalações públicas, detecção de anomalias etc.
Sustentabilidade: no apoio ao
monitoramento dos ecossistemas, previsão de mudanças climáticas e
desenvolvimento de soluções eficientes e sustentáveis para atender aos
requisitos dos desafios ambientais que enfrentamos.
Enquanto um “halo negativo” temos por
exemplo:
Discriminação e preconceito –
influenciada por algoritmos enviesados, a inteligência artificial poderá levar
a tomada de decisões discriminatórias e preconceituosas. Para os interessados
sugiro a leitura do livro de Cathy O´Neill denominado: Algoritmos de destruição
em massa (2021);
Violação de privacidade – através de
algoritmos que promovam a coleta e processamento de grande volume de dados de
pessoas e mesmo, com base eles, realizar operações fraudulentas ou extorsão junto
a determinadas pessoas;
Perda de postos de trabalho: já comentamos
em diversas postagens realizadas nessa plataforma, sobre os efeitos devastadores
que serão produzidos com os avanços acelerados a inteligência artificial na substituição
de mão de obra por sistemas de automação robótica;
Dependência tecnológica – esse é outro
fator extremamente preocupante! Considerando que a inteligência artificial vem
operando mediante a construção de imagens, elaboração de textos dos mais diversos
(ver artigo que publicamos nessa plataforma: AI, Midjourney e GPT-3 – Uma jornada
para a demência digital), poderemos perder a capacidade cognitiva para desenvolver
texto ou produzir imagens criativas. Do mesmo modo, uma falha dos sistemas poderá colapsar toda uma
região ou mesmo um pais. Exemplo: perigosa tempestade geomagnética de grande
intensidade provocada pelas atividade solares!
Uso indevido da AI – na produção de
softwares maliciosos, ataques cibernéticos, invasões de sistemas, comprometendo
instalações críticas, sistemas financeiros, indústrias, governos etc.
Diante desse quadro, é importante alertar
que a ocorrência desses “halos” poderá levar as pessoas a passarem a confiar nas
soluções oferecidas pela inteligência artificial, acreditando cegamente que a
inteligência artificial resolverá todos os problemas complexos da humanidade e
nesse sentido aceitar, sem qualquer juízo crítico, as decisões fornecidas pela
AI.
O importante é ter em mente que devemos
ter cautela na tomada de decisões oferecidas pela inteligência artificial,
evitando o “halo cognitivo” de aceitá-las cegamente com o objetivo de mitigar
riscos associados a essa prática.
Ao final, caímos no velho desafio da
esfinge de Tebas que inqueria cada peregrino que por ela passava: “Decifra-me
ou lhe devoro"!