O nosso cérebro é um órgão extremamente complexo e muito “misterioso”,
haja vista as mais recentes descobertas da neurociência.
Diversas teorias tem procurado explicar a sua fisiologia, que trata do
estudo de como o cérebro processa informações sensoriais, como a visão, a
audição e o toque, e como ele controla as funções corporais, como a respiração,
a frequência cardíaca e a temperatura corporal. Dentre elas destacamos:
Teoria da Localização – destaca que as mais diversas funções cerebrais
são localizadas em áreas específicas do cérebro. Essa teoria teve com percursor
Joseph Broca, médico e anatomista francês, cujos estudos foram importantes pra
a compreensão da neuroanatomia e da neurolinguística.
Teoria da Conectividade – que sugere que o cérebro funciona como uma
rede integrada, onde diversas áreas operam para a realização de tarefas
complexas.
Teoria da Plasticidade – destaca que o cérebro pode criar novas
conexões neurais e se organizar para se adaptar as mudanças ambientais.
Suzana Herculano-Houzel, neurocientista brasileira, hoje radicada nos
EUA, onde leciona Psicologia e Ciências Biológicas na Universidade Vanderbilt,
localizada em Nashville, Tennessee; afinal fazer pesquisas no Brasil é um
evento épico e hercúleo, foi responsável por determinar (2009) com maior
precisão o volume de neurônios existentes no cérebro humano, 86 bilhões deles!
Os estudos e pesquisas do neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis,
também vivendo nos EUA, permitiram demonstrar a neuroplasticidade do cérebro,
visto que ele pode se adaptar e se organizar após lesões ou perdas de função.
Suas descobertas permitiram a Nicolelis e sua equipe a desenvolver uma interface
cérebro-máquina que levaram à pessoas com deficiências motoras recuperarem as
habilidades perdidas.
Os bilhões de neurônios estimados por Suzana Herculano-Houzel, se
comunicam por meio das denominadas sinapses que são as conexões responsáveis
por transmitir a informação de um neurônio para outro; valendo registrar que
Nicolelis e sua equipe desenvolveram técnicas para decodificar certas
atividades cerebrais, traduzindo-as em sinais de controle para a interface
cérebro máquina, o que permitiu a criação de sistemas de controle motor mais
precisos e eficientes!
Os trabalhos pioneiros do matemático e neurocientista americano Warren
McCulloch e Walter Pitts, lógico e filósofo, publicados em um artigo seminal em
1943 propunha que os neurônios do cérebro podem ser modelados como elementos de
processamento lógico binário, assemelhando-se aos circuitos eletrônicos dos computadores.
Essa teoria passou a ser conhecida como teoria da computação neural, hoje
amplamente aceita, cujas contribuições permitiram avanços em aplicações na
própria neurociência como também na inteligência artificial. (Goncalves - 2018).
No contexto da teoria da computação neural, vários outros cientistas
apresentaram contribuições significativas, entre eles David Marr, Geoffrey
Hinton e Yann LeCun, que desenvolveram algoritmos de aprendizado de máquina,
baseados em redes neurais artificiais.
Vale registrar que o matemático e físico teórico britânico, Roger
Penrose, desenvolveu uma teoria sugerindo que os neurônios possuíam em seus
interiores, nanotubos, estruturas tubulares microscópicas que atuam como
componentes quânticos que permitem a transferência de informações quânticas
dentro do cérebro, gerando, por via de consequência uma consciência
“orquestrada” em um nível básico da atividade elétrica dos neurônios.
Ele sugere, no contexto da sua teoria, que as vibrações provocadas
pelos microtúbulos podem ser responsáveis por gerar os estados de consciência e
que a interrupção dessas vibrações é responsável pela perda da consciência,
como é o caso que ocorre durante um processo de anestesia.
Dentro desse enfoque, Penrose sugere que a consciência é um fenômeno
não computável em, por via de consequência, não pode ser simulado em um
computador tradicional, mas segundo ele, poderá ser explicado através de um
modelo quântico.
Essa é uma teoria altamente especulativa e vem sendo refutada por
muitos físicos e neurocientistas, em especial pelo fato de que, segundo esses
pesquisadores, os processos quânticos não podem ser mantidos em um ambiente
biológico quente e úmido.
Entretanto, o Prof. Jim
Al-Khalili, da Universidade de Surrey, vem trabalhando em colaboração com vários
outros cientistas e físicos, com objetivo de explorar a possibilidade de que a
teoria quântica possa ser relevante para a biologia em escalas maiores,
incluindo plantas.
Do mesmo modo, o biólogo molecular italiano, Prof. Stefano Mancuso, da
Universidade de Florença., explora a possibilidade de que as plantas possam se
comunicar entre si e com outros organismos através de sinais elétricos e
químicos, enfatiza que a teoria quântica possa ser um elemento importante para
o desempenho desse processo!
Uma outra abordagem foi apresentada pelo neurofisiologista Karl
Pribrma em parceria com David Bohm, na década de 1980, quando argumentavam que
o nosso cérebro pode funcionar como um holograma, o que significa dizer que ele
pode armazenar e recuperar informações de forma semelhante a um holograma. Essa
teoria advoga que as informações são armazenadas no cérebro de forma
distribuída, valendo dizer que cada parte do nosso cérebro poderá conter a
representação de todo o cérebro e como tal poderá acessar as informações
armazenadas em outra parte do cérebro.
De todo esse emaranhado de teorias, a teoria mais aceita para o
cérebro humano é a denominada teoria da computação neural, que se firma partindo de que o nosso cérebro
é um computador biológico que processa informações através de redes de
neurônios interconectados; principal base para o desenvolvimento da
inteligência artificial por sugerir que redes neurais podem ser modeladas e
serem usadas para criar sistemas inteligentes artificiais, como vemos hoje em
dia.
Com base nos estudos realizados por McCulloch e Pitts (1943), como
comentamos acima, Minsky e Papert (1969) construíram o primeiro neurocomputador
que possuía uma rede neural artificial que ficou muito famosa e denominada de
Percepton, revolucionando os primórdios das pesquisas sobre a inteligência
artificial.
Porém, apesar dessa maravilhosa modelagem ter acendido o interesse de
muitos pesquisadores, as pesquisas sobre a inteligência artificial entraram
verdadeiramente em um inverno no seu desenvolvimento, surgido posteriormente de
forma exuberante, muito especialmente, em função do volumoso arsenal de dados
gerados, os quais adequadamente selecionados permitiram mensurar tendência, comportamentos
etc.; quando os estudos no desenvolvimento da inteligência artificial passaram a
proliferar por vários campos.
É certo que a inteligência artificial opera mediante o uso de
algoritmos especialmente projetados; valendo registrar que um algoritmo cuja
definição clássica pode ser descrita como um “conjunto ordenado de instruções
ou regras bem definidas e finitas que descrevem um processo computacional para
realizar uma tarefa específica”. Por
exemplo, ao acordarmos pela manhã, executamos uma série de tarefas que nos
levam a um determinado objetivo.
Vale registar que a palavra algoritmo tem sua origem na palavra árabe
"al-Khwarizmi", do matemático, astrônomo e geografo persa do Século
IX chamado Muhammad ibn Musa
al-Khwarizmi. Ele é considerado um dos
pais da álgebra e da ciência da computação.
Diante dos processos desenvolvidos nas diversas pesquisas, foi então
possível passar a criar modelos matemáticos que permitiram as máquinas
aprenderem a tomar decisões com base no elevado volume de dados, operando
mediante as denominadas redes neurais artificiais que, em certa medida, tem um
comportamento assemelhado ao da teoria da computação neural, tendo por base
diversos tipos de algoritmos.
Através de treinamentos adequados, com grande volume de dados
relevantes, a inteligência artificial é treinada com dados rotulados par que
possa aprender a fazer previsões ou mesmo, sem a supervisão, quando então os
algoritmos passam a operar para identificar padrões e relações por conta
própria.
Por exemplo, em recente artigo que postamos nessa plataforma, mostramos
o desenvolvimento de uma poderosa inteligência artificial que é capaz de “ler”
pensamentos humanos mediante resultados obtidos das fMRI (Ressonância Magnética
Funcional). Essa inteligência artificial foi antecipadamente submetida a um
treinamento através de várias fotos que voluntários olhavam enquanto estavam
sendo examinados pela fMRI, a partir desse procedimento, os sinais gerados pela
máquina de ressonância foram alimentados na inteligência artificial e daí
permitir que ela identificasse diversas imagens.
Todo esse conteúdo descrito até aqui tem por objetivo mostrar de forma
clara e direta que os computadores processam informações, números, letras, palavras, formulas, imagens etc,
convertendo-as em uma série complexas de ‘Zeros” e “”Uns”, a denominada
computação binária, organizados em pequenos blocos denominados “bytes”, e daí
qualquer representação inserida neles é efetivada através de um padrão
específico de milhões desses bytes que o computador “entende” representar, por
exemplo, a foto de um gato e essa
informação encontra-se armazenada em um determinado lugar que poderá ser
acessada adequadamente quando necessária.
Como bem descreve Epstein psicólogo e pesquisador sênior do Instituto
Americano de Pesquisas e Tecnologia Comportamental, em um experimento que
realizou com seus alunos quando pediu para que eles fizessem um desenho, o mais
detalhado possível de uma nota de um dólar. No primeiro tranche eles fizeram o
desenho com base na memória que possuíam da nota de um dólar e depois com a
visão da respectiva nota. Causando grande surpresa para os alunos, a diferença
nas representações, apesar desses alunos terem vistos inúmeras notas de um
dólar durante suas vidas! E então questiona: “Não temos uma representação de
uma nota de um dólar em nosso cérebro? Obviamente que não, e mil anos de
neurociência nunca os neurocientistas localizaram uma representação de uma nota
de um dólar armazenada dentro do cérebro humano”!
Como destacamos nos parágrafos anteriores, os estudos da neurociência
vêm mostrando que múltiplas áreas e algumas vezes grandes áreas do nosso
cérebro estão frequentemente envolvidas, onde milhões de neurônios podem se
tornar ativos. Aliás, os experimentos realizados pelo Dr. Nicolelis tanto com
ratos quanto com macacos demonstraram exatamente isso!
Diante desse quadro Epstein destaca que “para qualquer experiência, a
mudança ordenada pode envolver mil neurônios, um milhão deles ou mesmo o
cérebro inteiro, com um padrão de mudança diferente em cada cérebro.” Melhor
dizendo, cada indivíduo é único, com uma estrutura neural existente, onde cada
estrutura se desenvolveu ao longo de uma vida com suas experiencias únicas!
Ademais, vale lembrar que redes neurais, por mais sofisticadas que
sejam, operam mediante modelos matemáticos repletos de algoritmos. Daí
concluirmos que todos as operações realizadas por essas inteligências
artificiais são baseadas em algoritmos e, portanto, passíveis de computação.
Nesse contexto criamos uma impossibilidade matemática para
operacionalizar as inteligências artificiais visto que muitas das nossas
atividades não são computáveis ou passíveis de elaboração de algoritmos por
mais sofisticados que sejam, por exemplo: como expressar matematicamente o
Amor, a Paixão, o sentimento de
Solidariedade, o Afeto e tantos outros sentimentos intrínsecos ao ser humano.
Poderemos criar sofisticados robôs, mas dificilmente - uso esse
adverbio por respeito à ciência - poderemos criar máquinas que tenham
sentimentos, amor, empatia, solidariedade etc.
Automatizar processos é fácil, basta criar algoritmos específicos para
realizá-los, mas criar robôs que representem um ser um humano em toda a sua
inteireza, é uma tarefa que a ciência terá uma gigantesca dificuldade para conseguir!
Fontes:
Epstein, R – in The Empty Brain - https://azprojectsblog.wordpress.com/2016/05/23/the-empty-brain-robert-epstein/
- acesso: 12/04/2023.
Goncalves, P. S. in Algoritmos, mestres e senhores – https://professorgoncalves.blogspot.com/2018/11/algoritmos-mestre-e-senhores.html
- acesso: 12/04/2023.
Herculano-Houzel, S. in "The Human Brain in Numbers: A Linearly
Scaled-up Primate Brain - Frontiers in Neuroanatomy ( Nov. 2009).
Nicolelis, M. in O Verdadeiro Criador de Tudo – Como o cérebro humano
esculpiu o universo que conhecemos. – Editora Crítica.
Nicolelis, M. in Muito Além do nosso Eu – Cia das Letras.
Penrose, R. in A Nova Mente do Rei – Editora Campus.
Pribram, K e Bohm, D. in Holographic Approach to Brain Function - Journal
of the Optical Society of America (JOSA – 1971).