domingo, 12 de abril de 2020

Redesenhando as Cadeias Logísticas - As lições do Coronavírus

Redesenhando as Cadeias Logística

As lições do Coronavírus.

Viver é a arte do possível !

O sucesso de muitas empresas depende consideravelmente da eficiência da sua rede logística. É fato que, em face da globalização e buscas de alternativas para a instalação de novas plantas ou mesmo de fornecedores mais atrativos em suas ofertas de bens,  redes logísticas estão ficando cada vez mais complexas.

Nesse contexto, é  importante observar que uma cadeia de suprimentos, qualquer que seja o seu foco, está exposta a uma variedade de riscos. Cada cadeia logística apresenta em seu desenho, riscos inerentes a sua operação.

Para mostrar ao leitor um exemplo da complexidade das cadeias de suprimentos, na figura 2 apresentamos, em caráter meramente ilustrativo, uma cadeia de suprimentos imaginária em homenagem à Milton Freidman (Nobel em Economia em 1976), conhecida como o Lapis de Freidman, visto que ele, em suas palestras sobre capitalismo e liberdade, usava essa metáfora para falar sobre os livres mercados: "Literalmente, milhares de pessoas cooperaram para fazer este lápis. Pessoas que não falam a mesma língua; que praticam religiões diferentes; que poderiam se odiar umas as outras caso se encontrassem. Quando você vai à uma loja e compra este lápis, você está na verdade trocando alguns minutos do seu tempo por alguns segundos do tempo de todos aqueles milhares de pessoas." .

No exemplo, a borracha usada no lápis tem origem na Tailândia, o alumínio no Brasil, as tintas dos Estados Unidos, a madeira, da Malásia, o grafite de Mocambique e a produção do lápis realizada na Alemanha ou em outros países.


Figura 2 - Complexidade das Cadeias de Suprimentos
Fonte: Gonçalves, P.S. - Slides - Logística - IBMEC 2019

Dois aspectos importantes devem ser considerado nesse cenário, dado que muitos confundem vulnerabilidade com risco. Numa definição clássica, risco é a probabilidade de ocorrência de um evento fortuito, enquanto que a vulnerabilidade pode ser definida como a maior ou menor exposição ao risco, em face da incapacidade implícita ou explicita de criar proteções para a ocorrência de um risco.

A análise e gerenciamento dos riscos de uma cadeia de suprimentos tem por objetivo, identificar os riscos potenciais a que essa cadeia poderá estar submetida, assim como  estabelecer estratégias destinadas a mitigar os riscos e/ou permitir os seus contingenciamentos como uma operação para manter o fluxo de bens ao longo dessa cadeia . 

A capacidade de uma cadeia de suprimentos retornar à suas operações, após ter sofrido um evento inesperado, é comumente denominada de resiliência. A resiliência é um conceito oriundo da física, quando trata da propriedade de alguns materiais que, acumulando energia, quando exigidos ou submetidos a estresse, não sofrem ruptura. Após a cessação desse estresse, poderá ocorrer algum dano, cujo resultado será uma deformação residual.


Figura 3 - Análise dos riscos do SCM.
Fonte: Gonçalves, P.S. - Slides Logística IBMEC/2019.

Aumentar a resiliência de uma cadeia de suprimentos, em muitas situações, vai implicar em criar alternativas ou mesmo alocar a essa cadeia recursos adicionais, como por exemplo, um plano alternativo ou também conhecido como plano de contingência. 

Dependendo do projeto do gerenciamento de riscos e sua extensão; incrementos resilientes inseridos nas cadeias de suprimentos poderão resultar em acréscimos de custos e, nesse sentido, é importante fazer uma análise bastante detalhada das alternativas  disponíveis, seus impactos, e uma avaliação mais aprofundada dessas alternativas num cenário de “trade-off” ou trocas compensatórias.

Partindo do princípio de que nenhuma rede logística é perfeita, o que devemos esperar é a construção de uma rede que funcione com um desempenho aceitável. Intercorrência, riscos e eventos inesperados poderão criar restrições ao fluxo de bens e colocar em xeque a qualidade dos serviços logísticos e o desempenho da própria rede e, em situações extremas, paralisar  esse fluxo, como por exemplo, o recente incidente ocorrido na cidade de Wuhan, na China em face da pandemia do coronavírus.

Na postagem que disponibilizamos no dia 07 de fevereiro de 2020, discorremos  sobre as fragilidades das cadeias logística, em função da paralisação as atividades na cidade de Wuhan, epicentro da pandemia que se espalhou por todo o planeta.

Para o leitor interessado, segue o link dessa postagem:


É fato que as  atuais cadeias logísticas são sistemas bastantes complexos, a considerar os atores que nelas interagem, bem com a amplitude geográfica da sua atuação. Sua complexidade está especialmente relacionada ao fato da existência de player internacionais, como por exemplo, fornecedores ou plantas instaladas em várias regiões do planeta.

De um lado, a eventual ocorrência de fatores adversos, podem colocar em risco todo o sistema de suprimentos; bastando para  isso que um dos elos dessa cadeia sofra algum tipo de dano ou alguma intercorrência.

De outro lado, em 16 de março de 2013, em postagem nesse blog, examinamos uma outra questão bem peculiar que está relacionada à fragilidades dos sistemas complexos, quando havíamos comentado: "Na medida em que o homem avança nessa avalanche de tecnologia e automação aplicada na manufatura e nos serviços mais e mais dependente dela fica e mais e mais riscos fatais, poderão correr! Isso porque as empresas não estão muito interessadas em criar processos redundantes que permitam manter a operação dos diversos sistemas, afinal o investimento nessa área é elevado e, por conta disso, preferem correr o risco de uma pane !"


Considerando que a China se tornou um portal para grandes e médias empresas, muitas delas, nela instaladas com objetivo reduções consideráveis em seus custos e, aproveitando a sedução promovida pelos chineses que acenavam com baixos custos operacionais, aliados a uma infraestrutura potencialmente forte para impulsionar o fluxo de bens de forma massiva, para todo o planeta; inúmeras empresas desativaram ou reduziram suas operações em outros países e mesmo em seus países de origem e passaram a erguer suas unidades fabris no solo chines, usufruindo das facilidades apresentadas pelas autoridades chinesas.


De um lado, vale registrar que tudo começou com a instalação das denominadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), que foram criadas no governo de Deng Xiaoping (1982-1987), consideradas como o principal marco da transição chinesa em direção ao denominado Capitalismo de Economia de Mercado.


De outro lado, importante observar que, essa sedução chinesa para a instalação de plantas em seu território implica em que, todas as empresas estrangeiras que pretendesse montar uma planta da China deveriam se associar à uma empresa local, estatal ou não, dentro de um processo conhecido como Joint Venture.

Essa "generosa" oferta de facilidades para a instalação de plantas fabris e/ou aquisição de produtos originários da China teve como principal foco, a redução nos custos  e facilidades operacionais em solo chines,  acabou por deixar exposta uma fragilidade sistêmica, em face da concentração e dependência dessas instalações para suprir mercados  em todas as regiões do planeta, assim como receber suprimentos de outras regiões.

Ora, diante de um quadro de otimismo exacerbado e um verdadeiro frenesi, em face da acelerada imigração de indústrias de várias partes do mundo para as regiões da China,  assim como a expansão do mercado mundial, muitas empresas reduziram ou mesmo desativam suas plantas em seus países de origem; ocorrendo assim, uma verdadeira cegueira coletiva na avaliação dos potenciais riscos nessa tomada de decisão! 

Parafraseando Bodenmüller, "não há como sair da caverna de Platão sem ficar um pouco cego "! E, essa foi a cegueira que impactou as cadeias de suprimentos em todas  parte do planeta , paralisando fábricas e centros de abastecimento!



Figura 4 - Cidades chinesas  - Foto: metrópole de Wuhan 

Por exemplo, Wuhan, foco central da pandemia de coronavírus, considerada pioneira em novas tecnologias, é uma das cidades com melhor desempenho nos setores de fabricação de microprocessadores, tão utilizado em diversos equipamentos produzidos em todo o mundo. Do mesmo modo com as tecnologias voltadas para a biomedicina, como por exemplo, a fabricação dos ventiladores mecânicos, tão cobiçados diante da epidemia que atravessamos.

Valendo registrar um caso bem emblemático ocorrido recentemente com a 3 M, fabricante de máscaras especiais, como a N95, modelo muito utilizado no meio médico, como também como equipamento de proteção individual (EPI), adquiridas pelo governo alemão, que foram confiscadas pelo Estados Unidos, no embarque, no aeroporto de Bangcoc, criando assim um conflito onde o Governo americano foi acusado de "pirataria moderna" !

Wuhan é também um importante polo da indústria automobilística com a presença de empresas com a Nissan, a Honda, a PSA e Renault entre tantas outras. Do mesmo modo, cerca de 160 empresas japonesas de diversos setores também estão presentes na cidade.
Em semelhante situação encontra-se a fábrica de Foxconn, por exemplo, que opera com cerca 500 mil empregados, é maior e mais conhecida fábrica da China localizada ao redor de Shenzhen, que é responsável pela produção de aproximadamente  90% dos aparelhos eletrônicos vendidos ao redor do cenário mundial, como smartphones, PlayStations etc.
A prova da fragilidade que comentamos está explícita: a paralisação das unidades produtivas quando a pandemia começou a dar fortes sinais de contaminação e as autoridades chinesas decidiram  bloquear a entrada e saída da cidade!

Muitos setores da nossa economia foram afetados. O caso mais emblemático envolve a indústria de eletroeletrônicos que, segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), 70% das empesas do setor dependem de insumos importados da China!

Alguns países como o Japão, já acenam com benefícios e mesmo financiamentos adicionais para que empresas instaladas na China retornem ao seu país de origem.

O certo é que essa pandemia expôs de forma bastante clara a necessidade de desenvolver estratégias alternativas com objetivo de manter o fluxo de bens nas cadeias de suprimentos, como por exemplo: diversificação da rede de fornecedores, disponibilidade de manufatura alternativa (unidades menores e distribuídas em função da demanda) para a fabricação de seus produtos, estoques de segurança, alternativas de transporte com opções de operadores logísticos etc.


A verdade é que essa pandemia expos os riscos e as fragilidades das cadeias de suprimentos e, por via de consequência, uma nova abordagem terá que surgir das lições produzidas pelos recentes acontecimentos!


Fonte:
Gonçalves, P.S. - in Gerenciamento dos Riscos Logísticos - disponível em - https://professorgoncalves.blogspot.com/2010/12/gerenciamento-dos-riscos-logisticos.html  - acesso: 12/04/2020

Gonçalves, P.S. in Cadeias Globais e Resiliência Sistêmcia - disponível em https://professorgoncalves.blogspot.com/2017/04/cadeias-globais-e-resiliencia-sistemica.html - acesso: 12/04/2020.

Gonçalves, P.S. - in Riscos Logísticos nas Cadeias de Suprimentos - Slides - Logística/IBMEC/RJ (2019),

Bundenmüller, L. in Não há como sair da caverna de Platão sem ficar cego - disponível em  https://www.huffpostbrasil.com/luiza-bodenmuller/nao-ha-como-sair-da-caverna-de-platao-sem-ficar-um-pouco-cego_b_5941060.html - acesso: 2/04/2020.

Estado de Minas - in Cinco coisas a saber sobre Wuhan, epicento da epidemia do novo coronavírus - disponivel em https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2020/01/26/interna_internacional,1117136/cinco-coisas-a-saber-sobre-wuhan-epicentro-da-epidemia-de-novo-corona.shtml - acesso: 12/04/2020.

Adital – Instituto Humanitas Unisino  in O rei está nu. Assim, um vírus colocou em crise o modelo de negócios global. Por onde recomeçar? – disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596938-o-rei-esta-nu-assim-um-virus-colocou-em-crise-o-modelo-de-negocios-global-por-onde-recomecar - acesso: 10/04/2020.



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