A nova economia industrial na era da sustentabilidade
O modelo tradicional de manufatura que
produz um bem a partir da transformação de matérias-primas, insumos e
componentes em um produto que é então oferecido ao mercado e que após um período
de utilização é descartado, vem sendo utilizado até o presente.
Com uma frequência rotineira, produtos
fabricados em potencias industriais enviados para os mercados consumidores são rapidamente
descartados! Para darmos um pequeno exemplo, moveis residenciais são
descartados nos Estados Unidos com apenas seis meses de uso; telefones
celulares, computadores e tablets são
descartados assim que seja disponibilizada no mercado uma versão mais
sofisticada e atualizada!
Afastando a mentalidade atual de
produzir, vender e descartar e repensando o conceito de descartabilidade para
um conceito de desmontagem, recuperação e reciclagem, estudos realizados pela
McKinsey, levando em conta um determinado segmento de mercado que utiliza
materiais no valor de US$320.0 bilhões, estimam que aproximadamente 80% desse
valor poderia ser recuperado, se um enfoque de produção baseado na reutilização
e na sustentabilidade fosse utilizado.
A ideia central aqui é maximizar o
número de ciclos de produtos consecutivos, que serão gerados a partir de um
produto inicial, através da reutilização, reparação, reciclagem e remanufatura.
Esse novo processo produtivo tem por objetivo primordial reduzir, por via de
consequência, a quantidade de material novo agregado ao produto, a energia
utilizada e os custos de novo produto remanufaturado.
Dentro desse conceito, o projeto
básico é conceber produtos e componentes que são mais fáceis de serem
reciclados, facilitando a sua desmontagem e recuperação, mantendo a qualidade
do material e reduzindo o impacto ambiental no processo reciclagem na
manufatura.
É evidente que os recursos
existentes no planeta não são inesgotáveis e a preocupação se torna ainda maior
a partir do momento em que as classes consumidoras vêm crescendo em ritmo
bastante acelerado, haja vista a previsão elaborada pela McKinsey que estima o
ingresso de três bilhões de novos consumidores nos mercados até 2020. É a denominada
“nova classe média mundial”.
De um lado, os estudos realizados
pelo professor James Clarck da Universidade de York, Reino Unido, baseados na
análise dos níveis de reciclagem de produtos indicam que a utilização dos
recursos finitos se manterá alta e que seremos incapazes de manter estoques
suficientes para atender as futuras demandas.
Fazendo um cotejamento entre a
reciclagem de produtos e os elementos nela contidos através do exame paralelo
da tabela periódica, o professor Clarck projeta que elementos como ouro, prata,
índio, irídio, tungstênio e muitos outros indispensáveis para as indústrias
estarão esgotados em um prazo entre cinco e cinquenta anos.
De outro é importante observar que
muitas reservas minerais disponíveis hoje se encontram em áreas altamente
instáveis sob o ponto de vista político o que indica a grande possibilidade da
ocorrência de uma interrupção no suprimento desses materiais (ver nesse blog a postagem sobre riscos
logísticos) e a possibilidade de elevação dos preços desses itens, além de
ensejará uma restrição na sua oferta.
Observando-se mais detalhadamente a
ocorrência de diversos vetores ambientais tais como o acentuado aumento da
erosão do solo, o esgotamento das reservas de água doce (a Coca-Cola perdeu uma licença de operação na Índia para fabricar
refrigerantes para não colocar em risco a falta de água doce destinada a
abastecer as populações locais), o desmatamento exacerbado e descontrolado;
acabam também por produzir maiores restrições quanto à disponibilidade desses
recursos e, por via de consequência, seus preços se tornarão ainda mais
voláteis tendendo a aumentar aceleradamente em um futuro próximo. Esses eventos
estão produzindo vários problemas, entre eles dificuldades no fornecimento de cana-de-açúcar,
frutas cítricas e tantos outros itens que fazem parte do cardápio alimentar de
muitas famílias.
Em seu relatório de risco elaborado
pelo Forum Econômico Mundial (WEF) de 2012 já era previsto o risco quanto a
abastecimento de água potável, a crise de escassez de alimentos, aumento da
poluição ambiental e a extrema volatilidade dos preços das commoditeis
agrícolas e de energia.
Considerando esse quadro tão
desastroso quanto à escassez de recursos e o elevado grau de descarte dos
produtos comercializados, surgiu um novo conceito de produção industrial que
passou a ser denominado de a nova economia industrial ou “economia circular”
que é uma reinvenção do comportamento tradicional do mercado mediante a
utilização de uma nova modelagem através de uma economia compartilhada e
consumo colaborativo.
A fundamentação para essa nova
economia está relacionada ao principio da maximização da utilidade dos bens,
facilitada pelo avanço tecnológico, permitindo assim que esses bens sejam
alugados, emprestados, trocados ou doados. Como citado no relatório do Forum
Econômico Mundial 2014 ; “a economia
compartilhada tem a capacidade de desbloquear o valor social, econômico e
ambiental de ativos inexplorados ou subutilizados”, produzindo três
benefícios básicos:
- Econômico – com o uso de formas mais eficiente e resiliente dos recursos;
- Ambiental – pela eficiência no uso dos recursos focados na sustentabilidade;
- Comunitário – através de uma maior integração entre as pessoas.
A economia
industrial sustentável cria uma nova forma de utilização dos recursos
revertendo o ciclo de vida através da reutilização, remanufatura ou reciclagem,
gerando benefícios para todos: clientes, empresas e sociedade.
Alguns
exemplos elucidam essa nova modelagem colaborativa, como citados no relatório
do WEF: o custo de remanufatura de telefones celulares poderia ser reduzido em
50% por dispositivo se a indústria projetasse os aparelhos celulares com a
preocupação de facilitar a sua desmontagem, melhorando o ciclo reverso do
produto e incentivando uma política de devolução dos aparelhos descartados (a Earthworks calcula que 130 milhões de
celulares reciclados renderiam 5,5 toneladas de ouro e de outros metais
preciosos); os custos de embalagem, processamento e distribuição de cerveja
poderia ser reduzido em 20% se a indústria cervejeira passasse a utilizar garrafas
de vidro reutilizáveis; cada tonelada de roupas coletadas no Reino Unido pode
gerar uma receita de US$ 1.975 dólares a partir da oportunidade da sua
reutilização na indústria de materiais de isolamento ou estofamento, ou
simplesmente reciclados em novos fios para serem reutilizados na indústria
têxteis.
A fábrica
da Renault, por exemplo, localizada em Choisy-le–Roi, nas proximidades de Paris,
remanufatura vários componentes de seus veículos como: motores, sistemas de
transmissão, bombas de injeção etc. para a revenda, com uma utilização de menos
80% de energia e menos 90% de água, gerando menos 70% de resíduos de óleo e
detergente, nos processos, comparativamente a uma nova produção. Vale registrar
que a produção de um carro exige mais de cinquenta vezes o seu peso em água, ou
cerca de 150 mil litros!
Além disso,
seus projetos de produtos tem a preocupação de torná-los mais fáceis de
desmontar e serem reutilizados, operação essa que também vem sendo estendida
para os seus fornecedores, como por exemplo, o reestudo do fluido utilizado no
corte e refrigeração do sistema de usinagem permitiu aumentar a eficiência do
produto e reduzir em 90% o volume de descarte de resíduos.
O mundo
maravilhoso dos recursos inexoráveis e a produção para consumo de bens com um
ciclo de vida cada vez mais reduzido para serem rapidamente descartados não tem
futuro! A escassez de recursos já se mostra presente em todos os recantos do
nosso planeta e portanto é hora de repensarmos uma nova forma de produzir,
utilizar e reciclar os produtos da forma mais econômica e com o menor impacto
ambiental possível.
Fontes:
World Economic Forum – Toward the Circular
Economy: Accelerating the scale-up across global supply chains – Collaborators:
Ellen MacArthur Foundation and McKinsey & Company – January 2014.
Nguen, H.; Stuchtey, M. e Zils, M. in Remaking
the industrial economy – McKinsey – February, 2014.
Fleming, T. e Zils, M. in Toward a circular
economy: Philps Ceo Frans van Houten – Interview – McKnsey quarterly –
February, 2014.
Gandhi, A.; Magar, C.; and Roberts, R. in How
technology can drive the next wave of mass customization – McKinsey &
Company – In Insights & Publications – February 2014.
Leonard,
Annie in A História das Coisas – Editora Zahar (2011).
Paulo Sérgio Gonçalves é engenheiro, M.Sc. em
engenharia de produção pela COPPE/UFRJ, professor do IBMEC/RJ e autor das
seguintes obras didáticas:
Administração de estoques – Teoria e Prática em coautoria de E.Scwember
– Editora Interciência.
Administração de Materiais – 4ª. edição – Editora Campus/Elsevier.
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